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Nos últimos anos, o Brasil desperdiçou um tempo valioso em debates estéreis que pouco ou nada contribuem para o desenvolvimento do país. Em detrimento de questões mais urgentes, como as necessárias e inadiáveis reformas estruturais, gasta-se enorme dose de energia em discussões que não interessam à imensa maioria da população, como é o caso agora da anistia aos golpistas de 8 de Janeiro. A foto ao lado, feita na última terça-feira (03), captura um raro e muitíssimo bem-vindo momento de convergência institucional. Nela, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), além do vice-presidente Geraldo Alckmin e do líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE), concedem entrevista após almoço com o presidente Lula no Palácio da Alvorada. Em pauta, medidas para evitar o colapso fiscal. Motta ressaltou a “sintonia” entre os poderes e afirmou que “o Brasil sairá maior e mais forte” com a adoção de medidas capazes de equilibrar as contas públicas.
O movimento é ainda mais significativo quando se considera o estopim do encontro: a forte reação do Congresso ao Decreto nº 12.466, assinado por Lula no fim de maio, que aumentava o imposto sobre operações financeiras (IOF) com o objetivo de arrecadar 18 bilhões de reais ainda neste ano — gesto emergencial de um governo que costuma atacar com volúpia o bolso dos contribuintes, enquanto reluta em fechar a torneira dos gastos públicos. Diante da repercussão negativa, Hugo Motta deu ao governo um prazo de dez dias para apresentar alternativas e ameaçou colocar em votação um projeto do deputado Luciano Zucco (PL-RS), que revogaria a medida. Não foi a primeira vez que o Planalto pegou de surpresa o Congresso, as empresas e o mercado financeiro. Episódio semelhante ocorreu em novembro de 2024, quando o governo misturou o anúncio de medidas de ajuste fiscal com a promessa de isenção do imposto de renda para quem ganha até 5.000 reais — com custo de 35 bilhões de reais aos cofres públicos. A falta de articulação política também ficou evidente no início do ano ado, quando Lula foi obrigado a revogar uma medida provisória para reonerar a folha de pagamento de dezessete setores de atividade após intensa pressão parlamentar. O enredo, até então, seguia um padrão previsível: medidas mal costuradas, reações duras do Legislativo e trocas de críticas entre Planalto e Congresso.
Desta vez, contudo, a crise do IOF abriu espaço para uma grande oportunidade. Diante da resistência da sociedade a arcar com um novo aumento de impostos, o governo abriu diálogo com o Congresso em busca de soluções mais sensatas e definitivas para o crônico desequilíbrio fiscal. O senso de urgência parece, enfim, ter chegado ao Planalto — e não sem motivo. Divulgada em maio, a primeira revisão orçamentária apontou um cenário de queda na previsão de receitas e alta nos gastos. Como resultado, a equipe econômica projetou um déficit de 52 bilhões de reais nas contas públicas em 2025, revertendo a estimativa de superávit de 14 bilhões de reais aprovada em março. No Legislativo, a ficha também caiu. Após anos engavetando propostas de ajustes, os parlamentares perceberam que a falta de recursos ameaça não apenas o funcionamento do Executivo, mas também as emendas que tanto prezam. Assim, como diz o ditado popular, do limão fez-se uma limonada. “A crise do IOF precipitou a discussão sobre a necessidade de uma reforma profunda no Orçamento”, afirma Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. “Isso seria inevitável até 2027, mas a decisão do governo de recorrer ao aumento do IOF para fechar as contas deste ano escancarou a urgência do tema”.
O último relatório da IFI é categórico: as despesas discricionárias — que incluem investimentos e até o pagamento de contas básicas, como energia elétrica dos prédios públicos — devem cair de 211 bilhões de reais em 2025 para 83 bilhões no ano que vem, sinalizando um colapso iminente. Em 2027, a conta ficaria negativa em 11 bilhões de reais, com os gastos obrigatórios crescendo tanto que consumiriam toda a folga orçamentária, ameaçando paralisar a máquina pública.
O início de um debate mais sério entre Executivo e Legislativo a respeito do necessário ajuste fiscal dá margem a algum otimismo de que, finalmente, as autoridades estarão alinhadas e priorizando uma questão urgente, mas não será tão simples encontrar um consenso rápido a respeito de um tema espinhoso e bem menos popular para governo e parlamentares do que fazer o anúncio de novas obras ou programas sociais. No almoço realizado no Palácio da Alvorada, Fernando Haddad e o presidente Lula atenderam a um pedido de Hugo Motta e decidiram adiar o anúncio das medidas de reestruturação fiscal até que sejam apresentadas previamente às lideranças da Câmara. O encontro com os parlamentares está previsto para este domingo (08). Até lá, os envolvidos prometeram manter discrição sobre o conteúdo do pacote.
Os sinais, porém, indicam que as propostas tocarão em temas sensíveis, que já enfrentaram forte resistência dentro e fora do Congresso. Entre as medidas cogitadas estão a taxação de operações com criptomoedas, o aumento do imposto sobre apostas on-line e novos cálculos dos royalties obtidos com a exploração de petróleo. A revisão dos chamados gastos tributários, que englobam isenções e subsídios concedidos a diversos setores da economia, é outro item da pauta. Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, esses benefícios superam 800 bilhões de reais por ano. Não será uma tarefa simples cortar esses gastos. Embora haja consenso entre Haddad e Motta sobre a necessidade de reduzir as benesses ao mínimo possível, a iniciativa enfrentará a oposição de segmentos do empresariado. Só que esse enfrentamento se tornou inadiável. “A sociedade está encharcada de impostos, e o Brasil que aumentava tributos para cobrir despesas não existe mais”, afirma Marcos Mendes, ex-assessor do Ministério da Fazenda e pesquisador do Insper. “É por isso que se tornou necessário rever os gastos”.
Para os especialistas, o país precisa ainda pôr em prática desde já um pacote de medidas estruturais, como são chamadas as reformas capazes de evitar o crescimento das despesas públicas, racionalizar a máquina estatal e reduzir a trajetória da dívida federal. Entre as opções estudadas agora pela equipe econômica para conter o avanço das despesas obrigatórias está a adoção de critérios mais rígidos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujos desembolsos somaram 42 bilhões de reais entre janeiro e abril, um aumento de 11% em relação ao mesmo período de 2024. Também está em avaliação o envio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para limitar os rees federais ao Fundeb, um fundo que financia a educação básica no país. Quando o novo Fundeb foi instituído, em 2020, o então presidente Jair Bolsonaro aprovou uma escalada gradual da participação da União no fundo, que deve chegar a 23% em 2026. A proposta agora seria congelar os aportes no nível atual, de 21%. Outra possível PEC permitiria a unificação dos pisos constitucionais de saúde e educação, além da revisão do patamar obrigatório instituído pela Carta de 1988, o que daria maior flexibilidade para governadores e prefeitos istrarem seus orçamentos diante das necessidades regionais e das crescentes restrições fiscais.